quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

63 - ARBITRARIEDADE EM CHEQUE NOS CONSELHOS DE FISCALIZAÇÃO PROFISSIONAL


        Mais um passo foi dado rumo ao fim do desrespeito aos SERVIDORES DAS AUTARQUIAS DE FISCALIZAÇÃO PROFISSIONAL.
            Apesar das inúmeras decisões monocráticas e colegiadas do Supremo Tribunal Federal, os servidores dos conselhos amargam condições de trabalho dignas do LUPEM PROLETARIADO - descrito por Karl Marx e Friedrich Engels em A ideologia alemã (1845) – porquanto destituídos dos mais elementares direitos garantidos aos demais servidores públicos.
            Graça, no seio dos conselhos profissionais, o império do medo e da submissão entre os seus servidores. Por estarem à mercê do arbítrio, do humor e dos interesses pessoais dos que deveriam zelar pelos interesses destas Autarquias, como dita por exemplo, a Resolução  63/2005 do CFO - Consolidação das Normas para Procedimentos nos Conselhos de Odontologia (CNPCO) – em seu artigo 336:
           
Art. 336. A gestão dos recursos humanos primará pela qualidade de vida das pessoas no interior das instalações da Autarquia e pela qualidade das pessoas que darão “vida” à Organização.

            Este artigo sequer é lembrado dentro destas Organizações. É o que se depreende ante o clima de insegurança de seus servidores – as pessoas que dão vida à organização – pois a possibilidade de demissão “arbitrária e imotivada” está sempre presente, sendo a subserviência, para não usar termo mais depreciativo, a única forma de evitar a retaliação do gestor da vez.
           
CNPCO, art. 337.Serão objetivos precípuos da área de recursos Humanos:
a)    Proporcionar à Autarquia os Recursos Humanos mais adequados ao seu funcionamento;
b)    Proporcionar aos seus empregados um trabalho condizente, ambiente adequado e condições de remuneração; e,
c)    Proporcionar condições de perfeito ajustamento entre objetivos organizacionais da Autarquia e os objetivos pessoais dos empregados.

Os conselhos abrigam em seus quadros “dezenas”, talvez centenas, de servidores contratados sem concurso público, sem que tenham sido submetidos a qualquer tipo de avaliação de suas competências e, muito pior que isto, como ocorre em alguns conselhos, ocupando CARGOS EM COMISSÃO, criados por portarias e não “por Lei” como determina a CRFB-88, para abrigá-los, a despeito de terem sido “reprovados” em concursos promovidos por estes conselhos.
Seria este tipo de Recurso Humano o mais adequado ao funcionamento da Autarquia?
Não se está confundindo os “interesses pessoais dos dirigentes” com os “interesses da Autarquia”?  
Estes atos, que afrontam os princípios da Administração Pública estabelecidos pelo Art. 37 da CRFB-88 - legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência - constituem-se em ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA previstos na Lei da Improbidade Administrativa (Lei 8429/1992):              

Art. 4°. Os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pela estrita observância dos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos assuntos que lhe são afetos.

 Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:



I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;
....
IV - negar publicidade aos atos oficiais;
V - frustrar a licitude de concurso público;
VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo;

Art. 12.  Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato:
.......
III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos. 
           
Muitas outras considerações sobre a própria CNPCO, o Código de Ética Odontológica, as Leis Federais que regulamentam o exercício do Poder Público e suas relações com os servidores, além dos princípios Constitucionais que norteiam a administração pública poderiam ser apresentadas, mas este espaço não se mostra suficiente para tanto. O assunto exige um debate em maior escala e, sem dúvida alguma, deveriam dele participar toda a sociedade (a maior interessada) e, como parte diretamente envolvida, os cidadãos servidores de todos os conselhos de fiscalização profissional.

            Felizmente a consciência da sociedade brasileira, materializada nos atos do Supremo Tribunal Federal, está a apontar que o fim deste “arbítrio” está próximo do fim. Talvez não tão cedo quanto aspiram aqueles “servidores marginalizados”, mas muito antes do que pretendem os que se beneficiam deste status quo.

            Fortes indicativos desta tendência são as decisões proferidas pelo STF, muitas delas já postadas neste blog, somando-se a elas este parecer do Excelentíssimo Subprocurador-Geral da República Sr. Wagner de Castro Mathias Netto que transcrevemos a seguir.

RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 683010/DF
RECTE. (S): RENATO ANDRÉ CORREIA
RECDO. (A/S): CONSELHO REGIONAL DE ENGENHARIA, ARQUITETURA E
AGRONOMIA - CREA/MG
RELATOR: MINISTRO JOAQUIM BARBOSA/STF

Recurso extraordinário. Direito Constitucional e Administrativo. Conselhos de Fiscalização Profissional. Dispensa de empregado precedida de motivação. Necessidade. Pelo provimento da iniciativa.

Trata-se de recurso interposto em face do acórdão do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que, reconhecendo a prescindibilidade da motivação da dispensa dos empregados de conselho profissional, acolheu o recurso de revista manejado pelo Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia do Estado de Minas Gerais.
Sustenta-se, com substrato na alínea “a”, do permissivo constitucional, contrariedade aos arts. 5º, LV, 37, caput, 41, § 4º, da CRFB/88.
Vêm os autos à manifestação do custos legis.

Nº 14743/2012 – WM (RE 683010/DF)

Prima facie, há que se ter por positivo o juízo de admissibilidade deste extraordinário, porquanto assentes a tempestividade, o prequestionamento, a legitimidade e o interesse recursais. A alegação de desrespeito aos cânones constitucionais, por sua vez, reflete situação de densidade constitucional1, pois o debate gira em torno da amplitude do art. 37, caput, da CRFB/88 em relação aos empregados dos Conselhos Profissionais.
A repercussão geral mostra-se presente, já que a controvérsia transcende ao limites subjetivos da demanda, com potencialidade para gerar múltiplos processos.

No mérito, o corte extraordinário deve ser provido.

De acordo com a posição prevalente assentada pelo STF no MS 21797/RJ, os Conselhos Profissionais são pessoas jurídicas de direito público, amoldando-se ao conceito de autarquia, ainda que sob especial matiz.
Nessa esteira, e considerando a disposição do art. 80 da Lei nº
5.194/66, o CREA/MG se insere no conceito de “autarquia federal” da Lei nº 9.962/00, sendo, portanto, aplicáveis as limitações à dispensa previstas em seu art. 3º, in verbis:

“Art. 3º O contrato de trabalho por prazo indeterminado somente será rescindido por ato unilateral da Administração Pública nas seguintes hipóteses:

I – prática de falta grave, dentre as enumeradas no art. 482 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT;
II – acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas;
III – necessidade de redução de quadro de pessoal, por excesso de despesa, nos termos da lei complementar a que se refere o art. 169 da Constituição Federal;
IV – insuficiência de desempenho, apurada em procedimento no qual se assegurem pelo menos um recurso hierárquico dotado de efeito suspensivo, que será apreciado em trinta dias, e o prévio conhecimento dos padrões mínimos exigidos para continuidade da relação de emprego, obrigatoriamente estabelecidos de acordo com as peculiaridades das atividades exercidas.

Parágrafo único. Excluem-se da obrigatoriedade dos procedimentos previstos no caput as contratações de pessoal decorrentes da autonomia de gestão de que trata o § 8º do art. 37 da Constituição Federal”.

Sob tal enfoque, mais do que a necessidade de motivação genérica da dispensa, alicerçada no art. 50 da Lei nº9.784/99, exige-se, para a validade do ato, a descrição de motivos específicos, detalhados no art. 3º da Lei nº 9.962/00.

Mesmo que sob outro prisma, no qual se consideram os Conselhos Profissionais pessoas privadas com especial natureza2, a necessidade de motivação da dispensa dos seus empregados também é imperiosa.

Com efeito, a construção de uma sociedade livre justa e solidária (art. 3º da CRFB/88), com vistas ao atendimento do bem comum, sob a ótica da Administração Pública, é alcançada mediante a concretização dos princípios insculpidos no caput do art. 37 da Constituição Federal, a saber: legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade. Âmbito que, em nome da moralidade e, porque não dizer da decência, é plástico o suficiente para abarcar pessoas privadas exercentes de atividades típicas de Estado, mediante raciocínio teleológico sistemático do Texto Magno.

As regras contidas no citado art. 37 têm a sua raiz na figura do público, e um de seus misteres é garantir que esse todo seja gerido de modo impessoal, sem qualquer direcionamento escuso. Nesse passo, se pessoa privada se submete a um processo transparente de arregimentação de pessoal, é razoável que ela também dispense de forma transparente.

Nessa perspectiva, busca-se extrair a máxima eficácia da Constituição, sob as lentes da sua força normativa, que, no contexto de uma sociedade que se quer democrática e justa, necessariamente perpassa pela noção de moralidade/impessoalidade/publicidade na gestão.

Do exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL opina pelo provimento do recurso.

Brasília-DF, 10 de dezembro de 2012.
WAGNER DE CASTRO MATHIAS NETTO
Subprocurador-Geral da República

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