quarta-feira, 24 de julho de 2013

RJU nos Conselhos de Técnicos em Radiologia – JFBA 1ª instância (73)

                Enquanto em muitos conselhos, a exemplo do CRO/PR, seus servidores não contam nem mesmo com um Acordo Coletivo de Trabalho “decente”, e as demissões “sem justa causa” sejam uma ameaça presente e constante, pelo Brasil afora a Justiça Federal, da 1ª instância ao Supremo Tribunal Federal, vem, dia a dia, determinando a implantação do Regime Jurídico Único (RJU) nos Conselhos de Fiscalização Profissional.
                Acreditamos que a arbitrariedade, o clientelismo e a falta das garantias mínimas aos direitos trabalhistas desta marginalizada categoria de servidores está próximo do fim. Não tão cedo quanto se esperava com a promulgação da Constituição Federal de 1988, mas bem antes do que desejam  os defensores deste verdadeiro estado de exceção.

EXTRAÍDO DA PÁGINA DO SINDIFISC-PR
Mensagem do Presidente
Publicado: 17 de julho de 2013
                Prezados Associados,
                Vejam mais uma decisão importante para nossa categoria. Embora a decisão ainda seja de primeiro grau (primeira instância) e localizada na BA e ainda num único Conselho, acredito que seja o caminho, pois quando chegar ao STJ e se chegar ao STF, lá já existe o entndimento favorável à implantação do RJU aos servidores dos Conselhos.
                Embora tenhamos a nossa ação no STJ, já julgada e favorável a nós, estamos tentando junto ao Ministério Público Federal do Paraná uma ação semelhante, só depende de acharmos o procurador público que comungue com nossa situação.
                Saudações a todos
                                               Antonio Marsengo
                                               Presidente do SINDIFISC-PR


PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
SEÇÃO JUDICIÁRIA DA BAHIA
AUTOS N° 17401-84.2013.4.01.3300
CLASSE: 7.100-AÇÃO CIVIL PÚBLICA
AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RÉUS: CONSELHO NACIONAL DOS TÉCNICOS EM RADIOLOGIA e outros

DECISÃO
Nas manifestações prévias ao exame de pedido de tutela antecipada, foram suscitadas peios réus preliminares de incompetência absoluta da Justiça Federal e pedido de envio de autos à Justiça do Trabalho;ilegitimidade ativa do MPF, tendo em vista defesa de direitos individuais homogéneos disponíveis; impossibilidade jurídica do pedido, por inexistência de cargos criados por lei que levassem à existência de regime jurídico único de natureza estatutária.
Afasto a preliminar de incompetência absoluta do Juízo, uma vez que a demanda versa sobre aplicação de regime jurídico único a Conselho de Fiscalização de Exercício Profissional, matéria de Direito Constitucional e Administrativo não atinente à relação de trabalho regida pela CLT. Assim, compete à Justiça Federal e, não, à Justiça do Trabalho o julgamento dessa demanda coietiva.
Rejeito a preliminar de ilegitimidade ativa ad causam do MPF, pois a demanda não versa sobre direito individual disponível, pelo contrário, trata-se de ação civil pública para defesa de direitos difusos (preservação de princípios da Administração Pública lato sensu, de legalidade, impessoalidade, efetividade) e coletivos (preservação de direito a regime jurídico único para servidores da Autarquia, não individualizados).
Rejeito a preliminar de impossibilidade jurídica do pedido, por inexistência de cargos criados por lei que levassem à existência de regime jurídico único de natureza estatutária, já que a Lei de instituição desses Conselhos conferiu caráter de Autarquia em regime de direito público, e portanto, sujeita à regras administrativas específicas.
Passo a apreciar o pedido de concessão de liminar.
Para a concessão de liminar se faz necessária, em qualquer caso, a presença conjunta dos requisitos autorizadores da medida. Ante a natureza de antecipação da tutela da liminar pretendida, é necessário que todos os requisitos legais insertos no art. 273 do CPC estejam concomitantemeníe comprovados, eis que exige "prova inequívoca", e que o juiz se convença da verossimilhança da alegação, e, ainda, que "haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação".
In casu, reputo presentes os requisitos auíorizadores da medida.
A prova inequívoca e a verossimilhança das alegações encontram-se devidamente demonstradas, por meio de juntada de Edital Normativo n°01/2012-CONTER, item 15.7, o qual indica que os aprovados em concurso público n° 01/2012 seriam convocados para contratação por meio de contrato de trabalho regido pela CLT (fls.63/79).
O Conselho Nacional e os Conselhos Regionais de Técnicos e Radiologia foram criados Lei 7394/1985, obedecendo à mesma sistemática dos Conselhos Federa! e Regionais de Medicina, conforme art.12, constituem, em conjunto, uma autarquia, dotada de personalidade jurídica de Direito Público.
Transcrevo, nesses termos, o art.12 do Decreto 92.790/1985:
Art . 12. Os Conselhos Nacional e Regionais de Técnicos em Radiologia, criados pelo art. 12 da Lei n° 7.394. de 29 de outubro de 1985, constituem, em seu conjunto, uma autarquia, sendo cada um deles dotado de personalidade jurídica de Direito Público.
Em juízo de cognição sumária, reputo ser incabível a alegação dos Conselhos de que não haveria previsão legal para regime jurídico único nem lei criando cargos, uma vez que, reconhecida por lei a personalidade jurídica de Direito Público do Conselho Nacional e dos Conselhos Regionais de Técnicos em Radiologia, que formam, em conjunto, uma autarquia, aplica-se o art.39 da CF que prevê regime próprio, de Direito Administrativo, para servidores.
O art.39 da CF, na redação original que está vigorando por força da medida cautelar na ADI n° 2.135-4, concedida pelo STF, dispõe sobre a exigência de regime jurídico único para servidores de autarquias. Essa decisão tem sido observada pelo STF para reconhecer que se aplica tal regime para servidores de Conselhos de Fiscalização Profissional, a exemplo do julgamento do Recurso Extraordinário n° 562.917.
Em juízo perfunctório, considero que estão sendo feridos Princípios da Administração Pública em geral, com inobservância à eficácia erga omines e efeito vinculante para essa Autarquia Profissional da ADI n° 2.135-4, reforçada pelo julgamento da AD11717-DF, que reconheceu caráter autárquico e regime de direito público aos Conselhos de Fiscalização de Exercício Profissional.
Há fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação que autoriza concessão da tutela antecipada pleiteada, vez que os editais de concurso dos Conselhos Nacional e Regionais de Técnicos em Radiologia estão prevendo contratação de pessoal pelo regime da CLT e, não, da Lei 8112/90, praticando atos que interferem no funcionamento de serviços prestados no âmbito dos Conselhos Acionados, nas relações com servidores, com risco de aplicação de normas da CLT, impróprias ao regime jurídico público cabível aos aprovados em concurso público. Tal fato pode conduzir ao enraizamento e à intensificação de inconstitucionalidade/ilegalidades, bem como prejudicar o próprio funcionamento da atividade fim e sua efetividade, por meio de inobservância a direitos/garantias de seu pessoal e a formas de controle das atuações, regidas pela Lei 8. 11 2/90.
Pelo exposto, DEFIRO os pedidos de tutela antecipada, em sede liminar, para determinar aos réus que

1 ) adotem medidas administrativas necessárias ao reconhecimento dos atuais e futuros servidores, que tenham ingressado por aprovação em concurso público, como estatutários, submetidos aos dispositivos da Lei 8.112/1990, ressalvadas as situações consolidadas na vigência da legislação editada nos termos da EC n° 19/98, até 14/08/2007 (data de publicação do julgamento da medida cautelar em ADI n° 2. 135-4 do STF, que suspendeu eficácia do art. 39, caput, da CF, com redação dada pela EC 19/98, com efeitos ex nunc);

2) abstenham-se de contratar servidores para seu quadro de pessoal sob regime celetista, sob pena de multa de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) por contratação contrária a essa decisão, a ser revertida em favor do Fundo de Direitos Difusos, previsto no art. 13 da Lei 7.347/1985.
Publique-se. Intimem-se.
Citem-se os réus para oferecerem contestação, com as advertências legais.
Salvador, 01 de julho de 201 3.

MANOELA DE ARAÚJO ROCHA
     Juíza Federal Substituta



quarta-feira, 3 de julho de 2013

As multidões nas ruas: como interpretar? - 72

28/06/2013

      Como prometido, publicamos o texto produzido por Leonardo Boff. Este também contundente como o anterior. O momento está pedindo um olhar mais atento e uma reflexão séria. Não podemos nos calar diante da  enxurrada de medidas meramente "marqueteiras" que veem sendo adotadas pelas autoridades, em todas as esferas - nacional, estadual, municipal, poder executivo, legislativo, judiciário, situação e oposição - cada um tentando jogar a responsabilidade pelo caos instalado aos outros como se isto não fosse resultante de um conjunto de "más ações" ou falta de "boas ações" na administração da Nação, em que todos são responsáveis, sem exceção, inclusive nós, enquanto integrantes das classes mais bem informadas, que nos calamos por tantos e tantos anos diante dos desmandos, da falta de responsabilidade, da corrupção, etc...

       BOA LEITURA

      Um espírito de insurreição de massas humanas está varrendo o mundo todo, ocupando o único espaço que lhes restou: as ruas e as praças. O movimento está apenas começando: primeiro no norte da África, depois na Espanha com os “indignados”, na Inglaterra e nos USA com os “occupies” e no Brasil com a juventude e outros movimentos sociais.    Ninguém se reporta às clássicas bandeiras do socialismo, das esquerdas, de algum partido libertador ou da revolução. Todas estas propostas ou se esgotaram ou não oferecem o fascínio suficiente para mover as massas. Agora são temas ligados à vida concreta do cidadão: democracia participativa, trabalho para todos, direitos humanos pessoais e sociais, presença ativa das mulheres, transparência na coisa pública, clara rejeição a todo tipo de corrupção, um novo mundo possível e necessário. Ninguém se sente representado pelos poderes instituídos que geraram um mundo politico palaciano, de costas para o povo ou manipulando diretamente os cidadãos.

Representa um desafio para qualquer analista interpretar tal fenômeno. Não basta a razão pura; tem que ser uma razão holística que incorpora outras formas de inteligência, dados aracionais, emocionais e arquetípicos e emergências, próprias do processo histórico e mesmo da cosmogênese. Só assim teremos um quadro mais ou menos abrangente que faça justiça à singularidade do fenômeno.

Antes de mais nada, importa reconhecer que é o primeiro grande evento, fruto de uma nova fase da comunicação humana, esta totalmente aberta, de uma democracia em grau zero que se expressa pelas redes sociais. Cada cidadão pode sair do anonimato, dizer sua palavra, encontrar seus interlocutores, organizar grupos e encontros, formular uma bandeira e sair à rua. De repente, formam-se redes de redes que movimentam milhares de pessoas para além dos limites do espaço e do tempo. Esse fenômeno precisa ser analisado de forma acurada porque pode representar um salto civilizatório que definirá um rumo novo à história, não só de um país mas de toda a humanidade. As manifestações do Brasil provocaram manifestações de solidariedade em dezenas e dezenas de outras cidades no mundo, especialmente na Europa. De repente o Brasil não é mais só dos brasileiros. É uma porção da humanidade que se identifica como espécie, numa mesma Casa Comum, ao redor de causas coletivas e universais.
Por que tais movimentos massivos irromperam no Brasil agora? Muita são as razões. Atenho-me apenas a uma. E voltarei a outras em outra ocasião.
Meu sentimento do mundo me diz que, em primeiro lugar, se trata de um efeito de saturação: o povo se saturou com o tipo de política que está sendo praticada no Brasil, inclusive pelas cúpulas do PT (resguardo as políticas municipais do PT que ainda guardam o antigo fervor popular). O povo se beneficiou dos programas da bolsa família, da luz para todos, da minha casa minha vida, do crédito consignado; ingressou na sociedade de consumo. E agora o que? Bem dizia o poeta cubano Ricardo Retamar: “o ser humano possui duas fomes: uma de pão que é saciável; e outra de beleza que é insaciável”. Sob beleza se entende educação, cultura, reconhecimento da dignidade humana e dos direitos pessoais e sociais como  saúde com qualidade minima e transporte menos desumano.
Essa segunda fome não foi atendida adequadamente pelo poder publico seja do PT ou de outros partidos. Os que mataram sua fome, querem ver atendidas outras fomes, não em ultimo lugar, a fome de cultura e de participação. Avulta a consciência das profundas desigualdades sociais  que é o grande estigma da sociedade brasileira. Esse fenômeno se torna mais e mais intolerável na medida em que cresce a consciência de cidadania e de democracia real. Uma democracia em sociedades profundamente desiguais como a nossa, é meramente formal, praticada apenas no ato de votar (que no fundo é o poder escolher o seu “ditador” a cada quatro anos, porque o candidato uma vez eleito, dá as costas ao povo e pratica a política palaciana dos partidos). Ela se mostra como uma farsa coletiva. Essa farsa está sendo desmascarada. As massas querem estar presentes nas decisões dos grandes projetos que as afetam e que não são consultadas para nada. Nem falemos dos indígenas cujas terras são sequestradas para o agronegócio ou para a indústria das hidrelétricas.
Esse fato das multidões nas ruas me faz lembrar a peça teatral de Chico Buarque de Holanda e Paulo Pontes escrita em 1975:”A Gota d’água”. Atingiu-se agora a gota d’água que fez transbordar o copo. Os autores de alguma forma intuíram o atual fenômeno ao dizerem no prefácio da peça em forma de livro: “O fundamental é que a vida brasileira possa, novamente, ser devolvida, nos palcos, ao público brasileiro…Nossa tragédia é uma tragédia da vida brasileira”. Ora, esta tragédia é denunciada pelas massas que gritam nas ruas. Esse Brasil que temos não é para nós; ele não nos inclui no pacto social que sempre garante a parte de leão para as elites. Querem um Brasil brasileiro, onde o povo conta e quer contribuir para uma refundação do pais, sobre outras bases mais democrático-participativas, mais éticas e com formas menos malvadas de relação social.
Esse grito não pode deixar de ser escutado, interpretado e seguido. A política poderá ser outra daqui para frente.

Leonardo Boff é autor de Depois de 500 anos: que Brasil queremos?  Vozes, Petrópolis 2000.


terça-feira, 2 de julho de 2013

“Ninguém mandou você perguntar”. Último texto de Teresa Urban


 
Diante das infindas manifestações que se alastram pelo Brasil afora e tudo que se tem escrito e falado sobre o ou os significados delas, nos deparamos com dois textos que, na minha humilde opinião, retratam muito bem este momento. O primeiro é este texto da TERESA URBAN falecida em Curitiba, aos 67 anos, dia 26 de junho de 2013 e o segundo de Leonardo Boff, que será postado neste blog a seguir (postagem 72). Na sequência publicaremos texto pertinente que fará um paralelo entre o que está acontecendo na sociedade e o que tem ocorrido no seio de nossa classe.
            Não se trata de “desvio de foco” de nossa parte, uma vez que este blog tem por tema a Ética na Odontologia. Entendemos que estes dois textos tem muito a nos dizer como pertencentes a uma classe de profissionais inseridos neste mundo caótico em que está se transformando nossa sociedade. Não basta que cada um “faça a sua parte” e sim que lance um olhar ao seu redor para ver e entender o que se passa com o vizinho, com os nem tão próximos, que nos mobilizemos para tentar harmonizar as nossas relações sociais pois, com este andar da carruagem a que estamos “passivamente” assistindo, o que se anuncia será terrivelmente avassalador.

Ruth Bolognese recebeu este texto da Teresa Urban, o último que ela escreveu antes de falecer dia 26/06/2013 à noite. É uma reflexão sobre os acontecimentos destes dias. Lúcida, afiada, procura mostrar à amiga o caráter do movimento que levou milhares às ruas.

Eis o texto.
Olá Ruth, estou sem falar há dez dias, não por perplexidade mas por ordens médicas. O silêncio, neste barulho todo, me obrigou a pensar mais do que agir e foi uma experiência muito nova para mim. Montar um quebra-cabeças destes é difícil, amiga, porque a primeira coisa que descobri é que nem mesmo falamos a mesma língua (hoje li em algum lugar que não tem tecla SAP para isso). Abrimos um fosso tão grande entre o que chamamos de povo brasileiro e as elites (governo, políticos, ricos, intelectuais, jornalistas, esquerdistas, nós) e agora estão em nossa frente, serpenteando pelas ruas das cidades, anunciando sua existência.
Bom, quanto tempo faz que a gente não se pergunta como as pessoas se sentem nas cidades massacrantes, nos ônibus entupidos, na falta de respeito de motoristas com pedestres, de motociclistas com motoristas, de professor com aluno, de aluno com professor, de jovem com velho, de velho com jovem, de meninos de rua com gente de bem, de trabalhadores endividados pelo consumo fácil, de falta de amor, de médicos gelados como pedra, de gente entediada, de tráfico, de meninos mortos na periferia, de prisões lotadas, de crimes impunes…longa lista.
Lembra, Ruth, como foi o êxodo rural dos anos 70? Perderam-se as raízes. as cidades viraram amontoados humanos de um nível crescente de hostilidade, mas a gente vai levando. Vizinhos, comunidade, amigos, partido, Estado que protege os mais fracos ??? bobajada, mano velho, vamos tocando, tem time de futebol. Tenho pensado muito em algumas palavras: pertencimento e desgarrados
Bem, deu no que deu, não somos um país, somos um monte de “eu”, cada um com seu cartaz, seu facebook e nada que os ligue.
Pode ser que um monte de eu se sinta pertencendo a alguma coisa, assim juntos na rua… A crise é de representatividade? é, mas não tão simples que uma reforma partidária resolva.
Lembrei muito de uma cena antiga, quando contestávamos a instalação da Renault nos mananciais e alguém perguntou quem representava a empresa naquela discussão. E um velhinho sem dentes, paletó de mangas curta que não conseguiam esconder os rotos punhos da camisa, levantou o braço e disse: eu represento a Renault. Nunca esqueci disso porque não entendi qual a crença que levou aquele homenzinho a fazer isso (ninguém mandou, ele estava muito sozinho ali), mas acho que foi um momento de ousadia incrível.
Dizer eu me represento é mais ousado ainda e muito mais perigoso, Ruth. Ninguém representa ninguém naquela multidão, talvez depois, na foto no facebook, troquem suas representatividades. Chegamos a isso por negligência e prepotência e agora é um trabalho danado de grande voltar a pensar em coisas pequenas para fazer contato com os alienígenas. Quem sabe aquele dedinho do ET de Spilberg tocando o dedo do menino ajude…
Agora, o que é mesmo ruim nesta história é o que a brava imprensa brasileira fez: criou uma nova espécie, sem nenhum estudo, nehuma base científica, sem nenhuma pergunta: “homo sapiens vandalus lamentavilis”.  Ruth, que vergonha tenho de ser jornalista. Quem são, afinal, aqueles meninos que não temem a polícia, que devolvem as bombas, que chutam tudo com fúria, que saem das lojas saqueadas com sacolas e somem na escuridão? Quem são, quantos são, onde vivem, de onde surgiram? São brasileiros ou só são brasileiros os que serpenteiam sem rumo?
São os dentes da fera, Ruth, só os dentes. O resto, a gente não conhece. Enquanto continuarem dividindo o país entre manifestantes e vândalos ou, como ontem na OTV, uma repórter mais perdidinha dizia, protestantes e fanáticos, não vai dar para entender o que de fato acontece.
Outro pior é a legitimização e o aplauso à repressão policial. Não sei se você viu, mas ontem havia uma galera na frente do Palácio Iguaçu (pra Curitiba, bastante gente, umas 10 mil pessoas?) quietos, sem nada que dizer, às vezes cantavam algo tipo “sou brasileiro com muito orgulho” exibiam caras e cartazes para a câmara de TV, andavam de um lado para o outro e só, só, só. Não sei porque estavam ali. Passaram reto pela Câmara, pela Prefeitura, estavam ao lado da Assembleia Legislativa mas pararam na frente do Palácio às escuras. Ninguém para falar, nem por eles nem para eles nem com eles. Foi uma cena muito surreal, que durou tempo, debaixo de chuva e frio.
De repente, do nada, o Palácio do Governo começa a vomitar uma enfurecida tropa de choque que sai jogando bomba, atirando bala de borracha sem mais. Joãozinho estava lá, Thiago estava lá, Dani, filha de Clovis, estava lá. E mais uma galera de meninos que só estavam lá. Pelo tanto de luz de celular, era pra mostrar depois no face. Só então, na correria do depois, que os dentes surgiram na escuridão e começaram a morder a propriedade, pública ou privada, não importava.
Bom, Ruth, quando vi aquilo – polícia, cachorros, cavalos, bombas e os meninos correndo em desespero, chutando e quebrando tudo -, depois de muito, mas muito tempo na minha vida marvada, chorei.