A 1º de março de 1991 foi
promulgada a Lei 8.177 estabelecendo “regras para a desindexação da economia”.
Dentre outras
medidas esta lei estabelece em seu artigo 39 que os débitos trabalhistas,
quando satisfeitos em prazo diferente do estabelecido, sejam corrigidos
monetariamente pela TAXA REFERENCIAL (TR), o que, desde então, vem causando
enormes prejuízos aos trabalhadores que são credores destas verbas.
O artigo 39 da Lei 8.177/91 assim prescreve:
Art. 39. Os débitos
trabalhistas de qualquer natureza, quando
não satisfeitos pelo empregador nas épocas próprias assim definidas em lei,
acordo ou convenção coletiva, sentença normativa ou cláusula contratual
sofrerão juros de mora equivalentes à
TRD acumulada no período compreendido entre a data de vencimento da
obrigação e o seu efetivo pagamento.
O
grifo foi para destacar que esta disposição da lei “estabelece a TR como índice
de correção monetária dos débitos trabalhistas” embora, no texto, a TRD é
denominada erroneamente de “juros de mora”. Esta nossa afirmativa fica evidente
com a leitura do parágrafo 1º que prevê a aplicação, além da TRD, de juros de
mora de 1% ao mês.
§ 1° Aos débitos trabalhistas constantes de condenação pela Justiça do Trabalho
ou decorrentes dos acordos feitos em reclamatória trabalhista, quando não cumpridos nas condições
homologadas ou constantes do termo de conciliação, serão acrescidos,
nos juros de mora previstos no caput juros de um por cento ao mês, contados do
ajuizamento da reclamatória e aplicados pro rata die, ainda que não
explicitados na sentença ou no termo de conciliação.
Este parágrafo apresenta uma
peculiaridade, veja o grifo, pois estabelece que “na hipótese de não
cumprimento das condições homologadas”, ficando a ideia de que “apenas nesta
situação” é que seriam acrescidos os juros de mora, o que é inadmissível.
Apenas
para referência, estávamos no 2º ano do governo Collor e, acerca daquele
período de nossa história, a jornalista Miriam Leitão (Leitão, Miriam in
Saga Brasileira, Editora Record, 2011, p. 179) fez a seguinte observação:
“(...) ninguém se entendia nos bancos
e nas conversas com integrantes do governo. Medidas Provisórias tinham sido
escritas e reescritas, circulares saíam se contradizendo ou corrigindo erros,
novas edições das cartilhas davam orientações diferentes para a mesma situação.
Bancários liam e reliam textos incompreensíveis.”
Em meio à
confusão que caracterizou esta fase, foi editada, aprovada e promulgada a Lei
8.177/91 com esta terrível distorção contida em seu artigo 39, e também em
outros artigos que já foram motivo de Ação Direta de Inconstitucionalidade
(ADI) e declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal (STF) como
mostraremos mais adiante.
À parte esta “verdadeira trapalhada”, típica da época mas
que perdura até os tempos atuais, pesquisando na internet encontramos inúmeros
artigos criticando este dispositivo e no site do TST encontramos a seguinte
“nota de esclarecimento” que computo de “tentativa de explicar o inexplicável”,
que seria engraçado, se as consequências não fossem o prejuízo absurdo que
impõe à classe trabalhadora. Caso alguém consiga entender o teor desta nota,
por favor, me explique.
Tabelas de Débitos Trabalhistas
NOTA SOBRE O ÍNDICE DE
ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA
Em julho/2013, a TR voltou a apresentar valor
positivo, depois de ficar "zerada" desde setembro de 2012.
A atualização de débitos trabalhistas é definida no art. 39 da lei
8.177/91, que não sofreu alteração com a lei 12.703/12: tal lei modificou os
parâmetros para cálculo dos rendimentos da caderneta de poupança, mas não
alterou a TR, índice-base para atualização monetária.
A TR tem sido
calculada com valor "zero" desde
setembro de 2012, o que não é nenhuma discrepância, dados os valores mais
baixos da taxa SELIC. Observamos que, nas poupanças "novas" (abertas
após a Lei 12.703/12) o rendimento tem sido inferior a 0,5%, o que
significaria, matematicamente, TR negativa (por isso a TR fica
"zerada" nas tabelas de atualização).
Lembramos, ainda, que
a TR vem apresentando valor mensal muito baixo há muitos anos: o que,
efetivamente, garante a preservação do valor dos débitos trabalhistas é a taxa
de juros, que, ultimamente, tem sido superior à SELIC - daí a TR
"negativa" das poupanças novas.
A alteração da TR
como índice de atualização oficial das tabelas só poderá ser efetuada se houver
mudança da legislação, já que a tabela é unificada nacionalmente.
No período indicado
na nota, que somam 11 meses, a CORREÇÃO MONETÁRIA DOS DÉBITOS TRABALHISTAS foi
“ZERO”, uma vez que a TR do período foi fixada em ZERO pelo Banco Central (BC).
Ora, a correção
monetária tem por objetivo, e nada mais que isto, a reposição das PERDAS INFLACIONÁRIAS
DO PERÍODO CONSIDERADO.
Corrigindo-se os débitos trabalhistas pela TR ZERO do BC, é o mesmo que admitir
que a INFLAÇÃO DO PERÍODO FOI ZERO. Portanto, não houve perda do poder
aquisitivo destas verbas.
O INPC/IBGE do
período em pauta registrou uma variação de “6,5136 %”, isto é, a inflação
medida por este índice foi de 6,5136 %.
Veja o curioso
desta Lei 8.177/91
O artigo 40 desta
lei estabelece os valores dos “depósitos recursais”, valores que devem ser
depositados pela parte recorrente nos processos trabalhistas, e em seu
parágrafo
4º estabelece que:
§ 4° Os valores previstos neste artigo serão
reajustados bimestralmente pela variação acumulada do INPC do IBGE dos dois
meses imediatamente anteriores.
Dois pesos e duas medidas: as verbas trabalhistas devidas ao
trabalhador são corrigidas pela TR (que foi 0% no período apontado na nota do
TST) enquanto que os depósitos recursais, devidos à Justiça do Trabalho, no
mesmo período, foram reajustados pelo INPC/IBGE, isto é, 6,5136%.
Mais um cálculo:
De janeiro de 2010 a junho de
2013 o INPC/IBGE apresentou a variação de 23,89975 % enquanto a TR/BC pífios 2,20021 %. Isto evidencia que as perdas dos trabalhadores nas
execuções trabalhistas do período foram de 21,69954 %.
FELIZMENTE,
HÁ UMA LUZ NO FIM DO TÚNEL...
O STF, no julgamento da Ação
Direta de Inconstitucionalidade 493-0 DF (ADI 493) requerida pelo
Procurador-Geral da República, declarou inconstitucionais alguns artigos da Lei
8.177/91.
ADI
493-0 DF
Ementa
Ação direta de inconstitucionalidade. –
Ação direta de inconstitucionalidade. –
...
A taxa referencial (TR) não e índice de
correção monetária, pois, refletindo as variações do custo primário da captação
dos depósitos a prazo fixo, não constitui indice que reflita a variação do
poder aquisitivo da moeda.
...
Ação direta de inconstitucionalidade julgada
procedente, para declarar a inconstitucionalidade dos artigos 18,
"caput" e parágrafos 1 e 4; 20; 21 e parágrafo único; 23 e
parágrafos; e 24 e parágrafos, todos da Lei n. 8.177, de 1 de maio de 1991.
Vê-se que o STF afirma que “a taxa referencial (TR) não é índice de
correção monetária”.
Não sendo a TR índice de correção monetária, segundo declara o
STF, por que a Justiça Trabalhista continua aplicando-a nos cálculos das verbas
devidas aos trabalhadores?
É fato
que na ADI 493 estava em discussão a aplicação da TR nos cálculos de correção
monetária no Sístema Financeiro da Habitação (SFH). Ora, se este índice não se
presta para calcular correção monetária no SFH “por não constituir índice que reflita a variação do poder aquisitivo da
moeda” conclui-se, obviamente, que, para “cálculo de correção monetária”, não deva ser usado seja qual for a
situação. É o lógico. No entanto, o TST não entende desta maneira e, não
importa o que a Corte Suprema (STF) decida, continua aplicando a TR como índice
de correção monetária das verbas trabalhistas enquanto aplica o INPC/IBGE na
correção dos depósitos recursais.
Vejamos o que foi declarado
inconstitucional.
Art.
18. Os saldos devedores e as prestações dos contratos celebrados até 24 de
novembro de 1986 por entidades integrantes dos Sistemas Financeiros da
Habitação e do Saneamento (SFH e SFS), com cláusula de atualização monetária
pela variação da UPC, da OTN, do Salário Mínimo ou do Salário Mínimo de
Referência, passam, a partir de fevereiro de 1991, a ser atualizados pela taxa
aplicável à remuneração básica dos Depósitos de Poupança com data de aniversário
no dia 1°, mantidas a periodicidade e as taxas de juros estabelecidas
contratualmente. (Vide ADIN nº 493-0, de 1992)
§ 1° Os saldos devedores e as prestações dos contratos celebrados no período de
25 de novembro de 1986 a 31 de janeiro de 1991 pelas entidades mencionadas
neste artigo, com recursos de depósitos de poupança, passam, a partir de
fevereiro de 1991, a ser atualizados mensalmente pela taxa aplicável à
remuneração básica dos Depósitos de Poupança com data de aniversário no dia de
assinatura dos respectivos contratos. (Vide ADIN nº 493-0, de 1992)
§ 4° O disposto no § 1° deste artigo aplica-se às Letras Hipotecárias emitidas
e aos depósitos efetuados a qualquer título, com recursos oriundos dos
Depósitos de Poupança, pelas entidades mencionadas neste artigo, junto ao Banco
Central do Brasil; e às obrigações do Fundo de Compensação de Variações
Salariais (FCVS). (Vide ADIN nº 493-0, de 1992)
Art. 20. O resultado apurado pela aplicação do
critério de cálculo de atualização das operações de que trata o art. 18,
lastreadas com recursos de Depósitos de Poupança e da atualização desses
depósitos, na forma do disposto no parágrafo único do art. 13 desta lei, será
incorporado ao Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS), nos termos
das instruções a serem expedidas pelo Banco Central do Brasil.(Vide ADIN nº 493-0,
de 1992)
Art. 21.
Os saldos dos contratos de financiamento celebrados até o dia 31 de janeiro de
1991, realizados com recursos dos depósitos de poupança rural, serão
atualizados, no mês de fevereiro de 1991, por índice composto: (Vide ADIN nº 493-0,
de 1992)
Parágrafo
único. A partir do mês de março de 1991, os saldos dos contratos mencionados
neste artigo serão atualizados pela remuneração básica aplicada aos depósitos
de poupança com data de aniversário no dia da assinatura dos respectivos
contratos. (Vide ADIN nº 493-0,
de 1992)
Art.
23. A partir de fevereiro de 1991, as prestações mensais dos contratos de
financiamento firmados no âmbito do SFH, vinculados ao Plano de Equivalência
Salarial por Categoria Profissional (PES/CP), serão reajustadas em função da
data-base para a respectiva revisão salarial, mediante a aplicação: (Vide ADIN nº 493-0, de 1992)
I - do índice derivado da taxa de remuneração básica aplicável aos depósitos de
poupança livre no período, observado que:
a) nos contratos firmados até 24 de novembro de 1986, o índice a ser utilizado
corresponderá àquele aplicável às contas de poupança com data de aniversário no
dia 1° de cada mês;
b) nos contratos firmados a partir de 25 de novembro de 1986, o índice a ser
utilizado corresponderá àquele aplicável às contas de depósitos de poupança com
data de aniversário no dia da assinatura dos respectivos contratos;
II - do índice correspondente ao percentual relativo ao ganho real de salário.
§ 1° No caso de contratos enquadrados na modalidade plena do PES/CP, far-se-á,
a partir do mês de fevereiro de 1991, o reajuste mensal das respectivas
prestações, observado o disposto nas alíneas a e b do item I deste artigo. (Vide ADIN nº 493-0, de 1992)
§ 2° Do percentual de reajuste de que trata o caput deste artigo será deduzido
o percentual de reajuste a que se refere o parágrafo anterior. (Vide ADIN nº 493-0, de 1992)
§ 3° É facultado ao agente financeiro aplicar, em substituição aos percentuais
previstos no caput e § 1° deste artigo, o índice de aumento salarial da
categoria profissional, quando conhecido. (Vide ADIN nº 493-0, de 1992)
Art. 24. Aos mutuários com contratos vinculados ao PES/CP,
firmados a qualquer tempo, é assegurado que, na aplicação de qualquer reajuste,
a participação da prestação mensal na renda atual não excederá a relação
prestação/renda verificada na data da assinatura do contrato de financiamento
ou da opção pelo PES, desde que efetuem a devida comprovação perante o agente
financeiro, podendo ser solicitada essa revisão a qualquer tempo. (Vide ADIN nº 493-0, de 1992)
§ 1° Respeitada a relação de que trata este artigo, o valor de cada prestação
mensal deverá corresponder, no mínimo, ao valor da parcela mensal de juros,
calculado à taxa convencionada no contrato.
§ 2º Não se aplica o disposto neste artigo às hipóteses de redução de renda por
mudança de emprego ou por alteração na composição da renda familiar em
decorrência da exclusão de um ou mais co-adquirentes, assegurado ao mutuário,
nesses casos o direito à renegociação da dívida junto ao agente financeiro,
visando a restabelecer o comprometimento inicial da renda.
§ 3° Sempre que, em virtude da aplicação do PES/CP, a prestação for reajustada
em percentagem inferior àquela referida no art. 23 desta lei, a diferença será
incorporada em futuros reajustes de prestações, até o limite de que trata o
caput deste artigo.
CONCLUSÃO
Tivesse o
Procurador-Geral da República incluído em sua petição (ADI 493) o artigo 39 da
lei 8.177/91, hoje esta “perda patrimonial sistemática” não estaria penalizando
a classe trabalhadora.
Como isto não
aconteceu, ficam os trabalhadores na dependência de “baixar uma luz divina” que
clareie as mentes de nossos legisladores e magistrados, mais propriamente dos magistrados
da Justiça do Trabalho, e os faça ver a grande injustiça que se está cometendo,
há um longo tempo, contra os trabalhadores, uma vez que à Justiça do Trabalho cabe
garantir o equilíbrio nos dissídios trabalhistas.
Outro remédio,
previsto no artigo 103 da CF-88, seria propor uma Ação Direta de
Inconstitucionalidade visando o artigo 39 da lei 8.177/91 que, dentre os
habilitados a propor tal ADI diria que poderiam ser motivados a fazê-lo: o Procurador-Geral
da República, a FENASERA – Federação Nacional dos Trabalhadores nas Autarquias
de Fiscalização do Exercício Profissional, qualquer outra Confederação Nacional
de Trabalhadores ou entidade de classe trabalhadora de âmbito nacional como a CUT.
Enquanto isto não
acontece, os trabalhadores que tiverem suas verbas rescisórias corrigidas pela
TR podem contestar no próprio juízo esta situação apresentando a decisão do STF
no julgamento da ADI 493.
NOTA: A Justiça só age em favor de quem pleiteia seus direitos. Ela
não age espontaneamente e sim quando “provocada”, ou seja, quando solicitada a
intervir.
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