sexta-feira, 1 de julho de 2016

Conselhos de profissão não podem fixar anuidade acima da previsão legal (86)

Longe de se esperar que esta questão esteja resolvida.
 O STF já decidiu anteriormente que constitui ato ilegal a fixação de valor das anuidades devidas pelos inscritos nos conselhos de fiscalização profissional por meio de resolução dos próprios conselhos. No entanto, estes entes públicos seguem fixando suas anuidades por resolução o que resulta em incontáveis ações judiciais contestando tal prática e, sempre sem exceção, dando ganho de causa aos inscritos que têm, inclusive, sido ressarcidos dos valores a mais recolhidos. 
Então, esta nova decisão do STF, será apenas mais uma e, provavelmente, como as anteriores não será obedecida pelos conselhos. 



Quinta-feira, 30 de junho de 2016

Conselhos de profissão não podem fixar anuidade acima da previsão legal
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) negou provimento ao Recurso Extraordinário (RE) 704292, com repercussão geral, no qual o Conselho Regional de Enfermagem do Paraná questiona decisão da Justiça Federal no Paraná que reconheceu ser inviável o aumento da anuidade sem previsão legal. A decisão tomada nesta quinta-feira (30) atinge, pelo menos, 6.437 processos sobre o mesmo tema sobrestados em outras instâncias.
O recurso extraordinário, que discute a fixação de anuidades por conselho de categoria profissional acima do teto previsto em lei, foi interposto contra acórdão da 1ª Turma Recursal do Juizado Especial Federal no Paraná, o qual assentou que as contribuições de classe estariam submetidas ao regime jurídico tributário e, como consequência, aos princípios da anterioridade e legalidade. O conselho sustentava ter legitimidade para fixar os valores das anuidades livremente por meio de resolução, uma vez que tal prerrogativa seria garantida pela Lei 5.905/1973. Entre outros argumentos, também alegava que a Lei 5.905/1973 e a Lei 11.000/2004 permitem aos conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas fixar, cobrar e executar as contribuições anuais.
Relator do processo, o ministro Dias Toffoli votou no sentido de negar provimento ao recurso e foi seguido pela maioria dos ministros. Inicialmente, o ministro observou que a Lei 11.000/2004 estabeleceu a possibilidade de os conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas fixar livremente o valor das contribuições anuais devidas por pessoas físicas ou jurídicas relacionadas com suas atribuições. Segundo ele, para que o princípio da legalidade fosse respeitado, seria essencial que a Lei 11.000/2004 “prescrevesse, em sentido estrito, o limite máximo do valor da exação ou os critérios para encontrá-lo, o que não acontece na hipótese”.
Porém, o relator destacou que a norma invocada, ao não estabelecer um teto para o aumento da anuidade, criaria uma situação de instabilidade institucional, “deixando ao puro arbítrio do administrador o estabelecimento do valor da exação, afinal não há previsão legal de limite máximo para a fixação da anuidade”. O ministro avaliou que, para o contribuinte, surge uma situação de incerteza, pois não se sabe o quanto poderá ser cobrado enquanto que, para o fisco, significaria uma atuação ilimitada e sem controle.
De acordo com o relator, a norma, ao prever a necessidade de graduação das anuidades, conforme os níveis superior, técnico e auxiliar, não o fez em termos de subordinação nem de complementariedade. “Nesse sentido, o regulamento autorizado não complementa o aspecto quantitativo da regra-matriz de incidência tributária, elemento essencial na definição do tributo, mas o regulamento o cria, inovando a ordem jurídica”, ressaltou.
Dessa forma, para o ministro Dias Toffoli não cabe aos conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas realizar a atualização monetária do teto em patamares superiores aos permitidos em lei. “Entendimento contrário possibilitaria a efetiva majoração do tributo por um ato infraconstitucional, em nítida ofensa ao artigo 151, inciso I da Constituição Federal”. Em seu voto, o ministro reconheceu inconstitucionalidade material, sem redução de texto, do artigo 1º e 2º da Lei 11.000/2004, por ofensa ao artigo 151 da Constituição Federal, a fim de excluir da sua incidência a autorização dada aos conselhos de profissões regulamentadas para fixar as contribuição anuais.
Por fim, o relator não analisou matéria quanto ao correto índice de atualização monetária  – IPCA ou Selic – a ser aplicada no período. Ele seguiu a jurisprudência da Corte e considerou impossível reexaminar a questão por entender que o assunto possui natureza infraconstitucional.
Os ministros decidiram fixar a tese do recurso quando o Plenário retomar os julgamentos das ADIs 4697 e 4762, bem como do RE 838284, que discutem matéria semelhante.

sábado, 7 de novembro de 2015

ADPF 367 - manifestação da PGR - (85)


No 235.593/2015-AsJConst/SAJ/PGR
Arguição de descumprimento de preceito fundamental 367/DF
Relatora: Ministra Cármen Lúcia
Requerente: Procurador-Geral da República
Interessados: Presidente da República
Congresso Nacional
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. ARGUIÇÃO
DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMEN
TAL. CONSELHOS DE FISCALIZAÇÃO DE PROFISSÕES
REGULAMENTADAS.ART. 35 DA LEI 5.766/1971; ART. 19
DA LEI 5.905/1973; ART. 20 DA LEI 6.316/1975; ART. 22 DA
LEI 6.530/1978; ART. 22 DA LEI 6.583/1978 E ART. 28 DA
LEI 6.684/1979. CONTRATAÇÃO DE PESSOAL EM
REGIME CELETISTA. NÃO RECEPÇÃO PELA
CONSTITUIÇÃO DE 1988. REGIME JURÍDICO ÚNICO.
ART. 39 DA CR. OBRIGATORIEDADE. 
I RELATÓRIO
Trata-se de arguição de descumprimento de preceito funda
mental, com pedido de medida cautelar, dirigida contra (i) o art. 35
da Lei 5.766, de 20 de dezembro de 1971, que criou os Con
selhos Federal e Regionais de Psicologia; (ii) o art. 19 da Lei
5.905, de 12 de julho de 1973, que criou os Conselhos Federal e
Regionais de Enfermagem; (iii) o art. 20 da Lei 6.316, de 17 de
dezembro de 1975, que criou os Conselhos Federal e Regionais
de Fisioterapia e Terapia Ocupacional; (iv) o art. 22 da Lei 6.530,
de 12 de maio de 1978, que regulamenta a profissão de corretor
de imóveis; (v) o art. 22 da Lei 6.583, de 20 de outubro de
1978, que criou os Conselhos Federal e Regionais de Nutricionis
tas, e (vi) o art. 28 da Lei 6.684, de 3 de setembro de 1979,
que criou os Conselhos Federal e Regionais de Biologia.
Este é o teor das normas:
Lei 5.766, de 20 de dezembro de 1971
Art. 35. O regime jurídico do pessoal dos Conselhos será o
da legislação trabalhista.
Lei 5.905, de 12 de julho de 1973
Art. 19. O Conselho Federal e os Conselhos Regionais terão
tabela própria de pessoal, cujo regime será o da Consolida-
ção das Leis do Trabalho.
2
Lei 6.316, de 17 de dezembro de 1975
Art. 20. Aos servidores dos Conselhos de Fisioterapia e Tera
pia Ocupacional aplica-se o regime jurídico da Consolida-
ção das Leis do Trabalho.
Lei 6.530, de 12 de maio de 1978
Art 22. Aos servidores dos Conselhos Federal e Regionais de
Corretores de Imóveis aplica-se o regime jurídico das Leis
do Trabalho.
Lei 6.583, de 20 de outubro de 1978
Art. 22. Aos servidores dos Conselhos Federal e Regionais
de Nutricionistas aplica-se o regime jurídico da Consolida-
ção das Leis do Trabalho.
Lei 6.684, de 3 de setembro de 1979
Art. 28. Aos servidores dos Conselhos aplica-se o regime ju
rídico da Consolidação das Leis do Trabalho e legislação
complementar.
Sustenta a arguição que os dispositivos, ao determinarem
contratação de servidores sob regime da Consolidação das Leis do
Trabalho (celetista) por conselhos de fiscalização de profissões re
gulamentadas, não teriam sido recepcionados pela Constituição da
República, pois o art. 39, caput, determina observância obrigatória
por autarquias do regime jurídico de vínculo legal, isto é, estatutá-
rio.
A relatora adotou o rito do art. 5o da Lei 9.882, de 3 de de
zembro de 1999, e solicitou informações à Presidente da Repú-
blica, ao Presidente do Congresso Nacional, ao Advogado-Geral
da União e à Procuradoria-Geral da República, no prazo comum
de cinco dias. Determinou apensamento da ADPF à ação declara-
3
tória de constitucionalidade 36/DF (peça 14 do processo eletrô-
nico).
O Congresso Nacional defendeu compatibilidade das normas
com a ordem constitucional, sob o fundamento de que o art. 39,
caput, da CR, não se aplicaria a conselhos de fiscalização de pro
fissões regulamentadas, porquanto estes seriam “autarquias corpo
rativas que não integrariam a administração pública indireta”.
Justifica que o posicionamento do Supremo Tribunal Federal
acerca da natureza jurídica da Ordem dos Advogados do Brasil
(ação direta de inconstitucionalidade 3.026/DF) deveria aplicar-se
aos conselhos profissionais (peça 24).
A Presidência da República afirmou improcedência da argui-
ção, pois os conselhos de fiscalização profissional seriam autarquias
especiais e não fariam parte da estrutura estatal, a despeito de se
rem pessoas jurídicas de direito público. A obrigatoriedade de ado-
ção de regime estatutário não se lhes estenderia (peça 26).
Manifestou-se a Advocacia-Geral da União pela compatibili
dade das normas com a Constituição. Aduziu que esses conselhos
seriam autarquias peculiares, “alheias à estrutura da Administração
Pública indireta, sobretudo em razão da ausência de vinculação e
de supervisão ministerial” (peça 29).
É o relatório.
4
II DISCUSSÃO
Os conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas
possuem personalidade jurídica de direito público e enqua
dram-se, na administração pública federal, como autarquias. Sua
existência fundamenta-se na necessidade de zelar pela qualidade
dos serviços prestados por profissionais e pela observância da le
gislação nacional relacionada ao exercício de determinadas pro
fissões. Exercem, portanto, poder de polícia administrativa, na
forma do art. 22, XVI, da Constituição da República.1
Aplicam-se a essas entidades, precisamente por serem inte
grantes da administração pública federal, prerrogativas para de
sempenho de suas competências. Por outro lado, estão submetidas
a controle do Tribunal de Contas da União e à exigência consti
tucional de concurso público para provimento de cargos.2
A Lei 9.469, de 27 de maio de 1998, tentou modificar subs
tancialmente o regime dos conselhos de fiscalização profissional.
Atribuiu-lhes “natureza privada”, afastou o controle externo do
Tribunal de Contas, determinou adoção de regime de pessoal da
CLT (celetista) na contratação de empregados etc.: 1 “Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: [...] XVI – organização do sistema nacional de emprego e condições para o exercício de profissões; [...]”. 2 Confiram-se os seguintes julgados: Supremo Tribunal Federal. Primeira Turma. Agravo regimental em recurso extraordinário 697.099/PA. Rela tor: Ministro MARCO AURÉLIO. 25/11/2014, un. Diário da Justiça eletrônico 248, 16 dez. 2014; STF. Plenário. Mandado de segurança 21.797/RJ. Rel.: Min. CARLOSVELLOSO. 9/3/2000, maioria. DJ, 18 maio 2000.
5
Art. 58. Os serviços de fiscalização de profissões regulamen
tadas serão exercidos em caráter privado, por delegação do
poder público, mediante autorização legislativa.
§ 1o A organização, a estrutura e o funcionamento dos con
selhos de fiscalização de profissões regulamentadas serão
disciplinados mediante decisão do plenário do conselho fe
deral da respectiva profissão, garantindo-se que na composi-
ção deste estejam representados todos seus conselhos
regionais.
§ 2o Os conselhos de fiscalização de profissões regulamenta
das, dotados de personalidade jurídica de direito privado,
não manterão com os órgãos da Administração Pública
qualquer vínculo funcional ou hierárquico.
§ 3o Os empregados dos conselhos de fiscalização de pro
fissões regulamentadas são regidos pela legislação traba
lhista, sendo vedada qualquer forma de transposição,
transferência ou deslocamento para o quadro da Adminis
tração Pública direta ou indireta.
§ 4o Os conselhos de fiscalização de profissões regulamenta
das são autorizados a fixar, cobrar e executar as contribui-
ções anuais devidas por pessoas físicas e jurídicas, bem
como preços de serviços e multas, que constituirão receitas
próprias, considerando-se título executivo extrajudicial a
certidão relativa aos créditos decorrentes.
§ 5o O controle das atividades financeiras e administrativas
dos conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas
será realizado pelos seus órgãos internos, devendo os conse
lhos regionais prestar contas, anualmente, ao conselho fede
ral da respectiva profissão, e estes aos conselhos regionais.
§ 6o Os conselhos de fiscalização de profissões regulamenta
das, por constituírem serviço público, gozam de imunidade
tributária total em relação aos seus bens, rendas e serviços.
§ 7o Os conselhos de fiscalização de profissões regulamenta
das promoverão, até 30 de junho de 1998, a adaptação de
seus estatutos e regimentos ao estabelecido neste artigo.
§ 8o Compete à Justiça Federal a apreciação das controvér
sias que envolvam os conselhos de fiscalização de profissões
regulamentadas, quando no exercício dos serviços a eles de
legados, conforme disposto no caput.
6
§ 9o O disposto neste artigo não se aplica à entidade de que
trata a Lei no 8.906, de 4 de julho de 1994.
Nas oportunidades em que teve de apreciar a constituciona
lidade desses dispositivos, o Supremo Tribunal Federal suspendeu
cautelarmente sua eficácia e declarou-lhes incompatibilidade com
a ordem constitucional.3 Destacou a impossibilidade de delegação
a entidade privada de atividade típica de Estado, que alcança
exercício de poder de polícia sobre a dimensão humana funda
mental do exercício de profissão, poder de tributar e poder de
punir cidadãos.
Confira-se a decisão de mérito na ADI 1.717/DF:
DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRA
TIVO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALI
DADE DO ART. 58 E SEUS PARÁGRAFOS DA LEI
FEDERAL No 9.649, DE 27.05.1998, QUE TRATAM
DOS SERVIÇOS DE FISCALIZAÇÃO DE PRO
FISSÕES REGULAMENTADAS.
1. Estando prejudicada a Ação, quanto ao § 3o do art. 58 da
Lei no 9.649, de 27.05.1998, como já decidiu o Plenário,
quando apreciou o pedido de medida cautelar, a Ação Di
reta é julgada procedente, quanto ao mais, declarando-se a
inconstitucionalidade do caput e dos §§ 1o, 2o, 4o, 5o, 6o, 7o e
8o do mesmo art. 58.
2. Isso porque a interpretação conjugada dos artigos 5o,
XIII, 22, XVI, 21, XXIV, 70, parágrafo único, 149 e 175 da
Constituição Federal, leva à conclusão, no sentido da inde
legabilidade, a uma entidade privada, de atividade típica de
Estado, que abrange até poder de polícia, de tributar e de
punir, no que concerne ao exercício de atividades profissio- 3 O pedido de declaração de inconstitucionalidade do art. 58, § 3o, foi jul gado prejudicado pelo advento da Emenda Constitucional 19, de 4 de ju nho de 1998, que alterou o art. 39 da Constituição e autorizou à administração pública a contratação de pessoal por regime celetista.
7
nais regulamentadas, como ocorre com os dispositivos im
pugnados.
3. Decisão unânime.4
O que se vê, ao longo do tempo, é a aprovação de leis que
pretendem atribuir a essas entidades vantagens do regime público
(como a própria competência para fiscalizar o exercício profissio
nal, além da de cobrar valores compulsórios de cidadãos por esse
exercício), aliadas às liberdades dos entes privados (como a não
submissão à corte de contas e a possibilidade de contratação livre
de empregados, regidos pela CLT). No caso da OAB, o Supremo
Tribunal Federal placitou essa compreensão, que talvez convenha
rediscutir a certa altura, para maior coerência do sistema jurídico.
Como decorrência da estrutura administrativa que nasce da
ordem constitucional, conselhos de fiscalização profissional de
vem ser considerados pessoas jurídicas de direito público, subme
tidas a regime de Direito Administrativo, e compõem a
administração pública federal indireta. As leis de criação desses
entes trazem, até, previsão expressa acerca da qualificação deles
como autarquias, com personalidade jurídica de direito público e
vinculação ao Ministério do Trabalho:
Lei 5.766, de 20 de dezembro de 1971
Art. 1o Ficam criados o Conselho Federal e os Conselhos
Regionais de Psicologia, dotados de personalidade jurídica
de direito público, autonomia administrativa e financeira,
constituindo, em seu conjunto, uma autarquia, destinados a
orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão de 4 STF. Plenário. ADI 1.717/DF. Rel.: Min. SYDNEY SANCHES. 7/11/2002, unâ- nime. DJ, 28 mar. 2003.
8
Psicólogo e zelar pela fiel observância dos princípios de
ética e disciplina da classe.
Lei 5.905, de 12 de julho de 1973
Art. 1o São criados o Conselho Federal de Enfermagem
(COFEN) e os Conselhos Regionais de Enfermagem
(COREN), constituindo em seu conjunto uma autarquia,
vinculada ao Ministério do Trabalho e Previdência Social.
Lei 6.316, de 17 de dezembro de 1975
Art. 1o São criados o Conselho Federal e os Conselhos Re
gionais de Fisioterapia e Terapia Ocupacional, com a incum
bência de fiscalizar o exercício das profissões de
Fisioterapeuta e Terapeuta Ocupacional definidas no De
creto-lei no 938, de 13 de outubro de 1969.
§ 1o Os Conselhos Federal e Regionais a que se refere este
artigo constituem, em conjunto, uma autarquia federal vin
culada ao Ministério do Trabalho.
Lei 6.530, de 12 de maio de 1978
Art. 5o O Conselho Federal e os Conselhos Regionais são
órgãos de disciplina e fiscalização do exercício da profissão
de Corretor de Imóveis, constituídos em autarquia, dotada
de personalidade jurídica de direito público, vinculada ao
Ministério do Trabalho, com autonomia administrativa, ope
racional e financeira.
Lei 6.583, de 20 de outubro de 1978
Art. 2o O Conselho Federal e os Conselhos Regionais de
Nutricionistas constituem, no seu conjunto, uma autarquia
federal, com personalidade jurídica de direito público e au
tonomia administrativa e financeira, vinculada ao Ministério
do Trabalho.
Lei 6.684, de 3 de setembro de 1979
Art. 6o Ficam criados o Conselho Federal e os Conselhos
Regionais de Biologia e Biomedicina – CFBB/CRBB com
a incumbência de fiscalizar o exercício das profissões defini
das nesta Lei.
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§ 1o Os Conselhos Federais e Regionais a que se refere este
artigo constituem, em conjunto, uma autarquia federal vin
culada ao Ministério do Trabalho.
Nesse contexto, a tese de que os conselhos de fiscalização
profissional não integram a estrutura estatal é incorreta e chega a
parecer extravagante, à luz do Direito Administrativo brasileiro.
Segundo o Decreto-lei 200, de 25 de fevereiro de 1967, que há
quase meio século organiza a administração pública federal, inte
gram a administração indireta, com fundações públicas, empresas
públicas e sociedades de economia mista:
Art. 4o A Administração Federal compreende:
I – A Administração Direta, que se constitui dos serviços
integrados na estrutura administrativa da Presidência da
República e dos Ministérios.
II – A Administração Indireta, que compreende as seguintes
categorias de entidades, dotadas de personalidade jurídica
própria:
a) Autarquias;
b) Empresas Públicas;
c) Sociedades de Economia Mista.
d) fundações públicas.
Não poderia ser diferente, porquanto os conselhos de fiscali
zação profissional, conforme se depreende de sua denominação,
exercem atividades relacionadas à supervisão do exercício profis
sional, por diferentes modos: (i) verificam preenchimento de con
dições para registro de profissional na entidade; (ii) acompanham
a atuação dos cidadãos registrados, de maneira a assegurar aptidão
técnica ao longo da prestação de serviços, em benefício da coleti
vidade tomadora desses mesmos serviços, que teria enorme difi-
10
culdade de aquilatar, por esforço próprio, a capacitação dessas
pessoas.
Conselhos de fiscalização impõem, com fundamento na su
premacia do interesse público, restrições ao exercício do direito
fundamental relativo à liberdade de profissão. Sua importância é
proeminente, pois interferem, condicionam (nos termos da lei,
naturalmente), acompanham e sancionam uma das dimensões
fundamentais do ser humano, que é o exercício de trabalho.
Trata-se de atividade típica de Estado, cuja prestação consubstan
cia serviço público federal e que possui como instrumento ine
rente o manejo do poder de polícia (art. 22, XVI, da CR). Não
parece tarefa simples enxergar essa atividade como de cunho pri
vado.
Acerca da natureza estatal das atividades desempenhadas por
autarquias profissionais, confira-se o julgamento do RE
539.224/CE:
ADMINISTRATIVO. RECURSO EXTRAORDINÁ-
RIO. CONSELHO DE FISCALIZAÇÃO PROFISSIO
NAL. EXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO. ART.
37, II, DA CF. NATUREZA JURÍDICA. AUTARQUIA.
FISCALIZAÇÃO. ATIVIDADE TÍPICA DE ESTADO.
1. Os conselhos de fiscalização profissional, posto autarquias
criadas por lei e ostentando personalidade jurídica de direito
público, exercendo atividade tipicamente pública, qual seja, a
fiscalização do exercício profissional, submetem-se às regras
encartadas no artigo 37, inciso II, da CB/88, quando da con
tratação de servidores.
2. Os conselhos de fiscalização profissional têm natureza ju
rídica de autarquias, consoante decidido no MS 22.643, oca
sião na qual restou consignado que: (i) estas entidades são
11
criadas por lei, tendo personalidade jurídica de direito pú-
blico com autonomia administrativa e financeira; (ii) exer
cem a atividade de fiscalização de exercício profissional que,
como decorre do disposto nos artigos 5º, XIII, 21, XXIV, é
atividade tipicamente pública; (iii) têm o dever de prestar
contas ao Tribunal de Contas da União.
3. A fiscalização das profissões, por se tratar de uma atividade
típica de Estado, que abrange o poder de polícia, de tributar
e de punir, não pode ser delegada (ADI 1.717), excetu
ando-se a Ordem dos Advogados do Brasil (ADI 3.026).
[...]
5. Recurso Extraordinário a que se dá provimento.5
Poder de polícia somente pode ser exercido por entidades
que componham a administração pública. Atos administrativos
decorrentes da aplicação do poder de polícia envolvem limitação
de direitos fundamentais, de forma que não é possível sua imple
mentação por um particular a outro, em virtude da horizontali
dade da relação. A esse respeito, CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE
MELLO explica de maneira acertada:
33. Os atos jurídicos expressivos de poder público, de auto
ridade pública, e, portanto, os de polícia administrativa, cer
tamente não poderiam, ao menos em princípio e salvo
circunstâncias excepcionais ou hipóteses muito específicas
(caso, exempli gratia, dos poderes reconhecidos aos capitães
de navio), ser delegadas a particulares, ou ser por eles prati
cados.
A restrição à atribuição de atos de polícia a particulares
funda-se no corretíssimo entendimento de que não se lhes
pode, ao menos em princípio, cometer o encargo de prati
car atos que envolvem o exercício de misteres tipicamente
públicos quando em causa liberdade e propriedade, porque
ofenderiam o equilíbrio entre os particulares em geral, en- 5 STF. Primeira Turma. RE 539.224/CE. Rel.: Min. LUIZ FUX. 22/5/2012, un. DJe 118, 15 jun. 2012.
12
sejando que uns oficialmente exercessem supremacia sobre
outros.6
JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO também se pronunciou ca
tegoricamente sobre a impossibilidade de delegação de atividade
típica do Estado a pessoa jurídica de direito privado, ao analisar a
inconstitucionalidade do art. 58, caput e parágrafos, da Lei
9.649/1998:
[...] Todos esses dispositivos foram declarados inconstitucio
nais – decisão evidentemente acertada – já que inviável é a
delegação, a entidade privada, de atividade típica do Estado,
ainda mais quando se sabe que nela está incluído o exercí-
cio do poder de polícia, de tributação e de punição, no que
tange a atividades profissionais regulamentadas. Assim, ofen
didos foram os arts. 5o, XIII; 22, XXVI; 21, XXIV; 70, pará-
grafo único; 149 e 175 da CF.
Não é aceitável a tese de que se aplique aos conselhos de fis
calização profissional o posicionamento do Supremo Tribunal Fe
deral acerca da natureza da Ordem dos Advogados do Brasil,
externado no julgamento da ADI 3.026/DF (sic):
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.
§ 1o DO ARTIGO 79 DA LEI N. 8.906, 2a PARTE. “SER
VIDORES” DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO
BRASIL. PRECEITO QUE POSSIBILITA A OPÇÃO
PELO REGIME CELETISTA. COMPENSAÇÃO PELA
ESCOLHA DO REGIME JURÍDICO NO MOMENTO
DA APOSENTADORIA. INDENIZAÇÃO. IMPOSI-
ÇÃO DOS DITAMES INERENTES À ADMINISTRA-
ÇÃO PÚBLICA DIRETA E INDIRETA. CONCURSO
PÚBLICO (ART. 37, II DA CONSTITUIÇÃO DO
BRASIL). INEXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO 6 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 809.
13
PARA A ADMISSÃO DOS CONTRATADOS PELA
OAB. AUTARQUIAS ESPECIAIS E AGÊNCIAS. CA
RÁTER JURÍDICO DA OAB. ENTIDADE PRESTA
DORA DE SERVIÇO PÚBLICO INDEPENDENTE.
CATEGORIA ÍMPAR NO ELENCO DAS PERSONA
LIDADES JURÍDICAS EXISTENTES NO DIREITO
BRASILEIRO. AUTONOMIA E INDEPENDÊNCIA
DA ENTIDADE. PRINCÍPIO DA MORALIDADE. VI
OLAÇÃO DO ARTIGO 37, CAPUT, DA CONSTITUI-
ÇÃO DO BRASIL. NÃO OCORRÊNCIA.
1. A Lei n. 8.906, artigo 79, § 1o, possibilitou aos “servido
res” da OAB, cujo regime outrora era estatutário, a opção
pelo regime celetista. Compensação pela escolha: indeniza-
ção a ser paga à época da aposentadoria.
2. Não procede a alegação de que a OAB sujeita-se aos di
tames impostos à Administração Pública Direta e Indireta.
3. A OAB não é uma entidade da Administração Indireta
da União. A Ordem é um serviço público independente,
categoria ímpar no elenco das personalidades jurídicas exis
tentes no direito brasileiro.
4. A OAB não está incluída na categoria na qual se inserem
essas que se tem referido como “autarquias especiais” para
pretender-se afirmar equivocada independência das hoje
chamadas “agências”.
5. Por não consubstanciar uma entidade da Administração
Indireta, a OAB não está sujeita a controle da Administra-
ção, nem a qualquer das suas partes está vinculada. Essa
não-vinculação é formal e materialmente necessária.
6. A OAB ocupa-se de atividades atinentes aos advogados,
que exercem função constitucionalmente privilegiada, na
medida em que são indispensáveis à administração da Jus
tiça [artigo 133 da CB/88]. É entidade cuja finalidade é
afeita a atribuições, interesses e seleção de advogados. Não
há ordem de relação ou dependência entre a OAB e qual
quer órgão público.
7. A Ordem dos Advogados do Brasil, cujas características
são autonomia e independência, não pode ser tida como
congênere dos demais órgãos de fiscalização profissional. A
OAB não está voltada exclusivamente a finalidades corpo
rativas. Possui finalidade institucional.
14
8. Embora decorra de determinação legal, o regime estatu
tário imposto aos empregados da OAB não é compatível
com a entidade, que é autônoma e independente.
9. Improcede o pedido do requerente no sentido de que se
dê interpretação conforme o artigo 37, inciso II, da Consti
tuição do Brasil ao caput do artigo 79 da Lei n. 8.906, que
determina a aplicação do regime trabalhista aos servidores
da OAB.
10. Incabível a exigência de concurso público para admis
são dos contratados sob o regime trabalhista pela OAB.
11. Princípio da moralidade. Ética da legalidade e morali
dade. Confinamento do princípio da moralidade ao âmbito
da ética da legalidade, que não pode ser ultrapassada, sob
pena de dissolução do próprio sistema. Desvio de poder ou
de finalidade.
12. Julgo improcedente o pedido.7
Ao ver dessa Suprema Corte, a atribuição de regime pecu
liar à OAB decorreria de as atividades desta entidade não se res
tringirem à esfera corporativa, mas alcançarem feição
institucional. A título exemplificativo, a Constituição da Repú-
blica atribui ao Conselho Federal da OAB legitimidade para ajui
zar ação direta de inconstitucionalidade perante o STF (art. 103,
VII, da CR). Poder-se-ia ponderar, por outro lado, que, na reali
dade, essa dimensão existe igualmente em outras entidades, como
o Conselho Federal de Medicina, cujos membros lidam com al
guns dos bens mais preciosos de todo indivíduo: a saúde e a vida.
Desse modo, de maneiras distintas, outros conselhos de fisca
lização excedem a esfera meramente corporativa ao condicionar, 7 STF. Plenário. ADI 3.026/DF. Rel.: Min. EROS GRAU. 8/6/2006, maioria.
DJ 29 set. 2006.
15
supervisionar e punir o exercício de profissões. Não é exclusivi
dade da OAB fazê-lo.
Naquele julgamento, destacou-se o caráter singular da situa-
ção da OAB, como serviço público independente não integrante
da administração direta ou indireta, e distinguiu-se a entidade dos
conselhos de fiscalização profissional, pois a Constituição da Re
pública e a legislação federal lhe confeririam atribuições específi
cas e relevantes que ultrapassariam interesses corporativos. Nesse
sentido, expôs o Ministro EROS GRAU:
O fato é que, iniludivelmente, a OAB não é uma entidade
da Administração Indireta da União. A Ordem é um serviço
público independente, categoria ímpar no elenco das per
sonalidades jurídicas existentes no direito brasileiro.
Ela, sim, é um serviço independente, de feitio único. Dis
tinta e diversa da categoria na qual estariam inseridas essas
que se tem referido como “autarquias especiais”, para pre
tender-se afirmar, e de modo equivocado, certa indepen
dência das hoje chamadas “agências”.
Em seguida, observou:
A Ordem dos Advogados do Brasil é, em verdade, entidade
autônoma, porquanto autonomia e independência são carac
terísticas próprias dela, que, destarte, não pode ser tida como
congênere dos demais órgãos de fiscalização profissional. Ao
contrário deles, a Ordem dos Advogados do Brasil não está
voltada exclusivamente a finalidades corporativas, mas, nos
termos do art. 44, I da lei, tem por finalidade “defender a
Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de di
reito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa
aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo
aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas”. Esta
é iniludivelmente, finalidade institucional e não corporativa.
16
Com esse entendimento, a Suprema Corte firmou entendi
mento que consolidou no panorama institucional e administra
tivo brasileiro quadro absolutamente especial no que se refere à
Ordem dos Advogados do Brasil, entidade que goza de importan
tes porções da flexibilidade dos entes privados (como a possibili
dade de contratar pessoal pelo regime da CLT e a imunidade a
controle externo por parte do Tribunal de Contas da União) e,
simultaneamente, de prerrogativas somente aplicáveis a entes pú-
blicos, como imunidade tributária e sujeição a competência da
Justiça Federal (muito embora não se enquadre, segundo esse
mesmo julgado, em nenhuma das figuras a que alude o art. 109
da Constituição da República).
Não obstante, o Supremo Tribunal Federal, em decisões pos
teriores ao julgamento da ADI 3.026/DF, manteve entendimento
de que conselhos de fiscalização profissional são autarquias fede
rais, possuem personalidade jurídica de direito público e estão
submetidas a regime estatutário – consoante, ao ver da Procura
doria-Geral da República, parece o mais compatível com a orga
nização do poder público e o fato do exercício de parcela de
poder estatal por parte desses entes sobre dimensão essencial da
existência humana. Desse modo, o STF estabeleceu excepcionali
dade na natureza da OAB, inaplicável a todas as demais entidades
de fiscalização do exercício de profissões.8 8 A Ministra Cármen Lúcia, em decisão monocrática no recurso extraordi nário 608.386/RS, afirmou singularidade da OAB e manutenção da juris prudência do STF quanto às demais entidades fiscalizadoras: “Exceção feita à Ordem dos Advogados do Brasil (ADI n. 3026), este Su premo Tribunal reiterou, em múltiplos processos, a natureza autárquica fe-
17
Não prospera a alegação de que a atuação dos conselhos de
fiscalização profissional, devido à natureza de suas atividades, de
mandaria independência incompatível com estrutura autárquica.
O regime de autarquias foi concebido com o intuito, entre ou
tros, de conferir mais flexibilidade a certas entidades. De resto, é
próprio da estrutura estatal poder conformar a atividade dos cida deral dos conselhos fiscalizadores das profissões, declarando a não recepção, pela Constituição da República de 1988, do art. 1o do Decreto-lei 968/69: “Indaga-se se os Conselhos de Fiscalização Profissional foram alcançados por estas disposições, ou se permanece, frente à Constituição, válido e vi gente o disposto no art. 1o do Decreto-lei 968/69, assim redigido: [...] Na mesma linha, pretendeu estabelecer a Lei 9.649/98, em seu art. 58, § 3o: [...] Inviável, porém, reconhecer-se como recepcionadas pela Constituição de 1988, as disposições do art. 1o do Decreto 969/68, considerando-se a natu reza autárquica atribuída aos Conselhos de Fiscalização Profissional. São pessoas jurídicas de direito público, com natureza autárquica, pois foram criados por lei para exercer poder de polícia e desenvolver serviço público próprio, atribuições que apenas os que detêm parcela do jus imperii, e per sonalidade de direito público podem executar.” (RE n. 596.187-AgR, Re lator o Ministro MARCO AURÉLIO, DJe 4.9.2013, grifos nossos); “AGRAVO REGIMENTAL NO MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. CONSELHO DE FISCALIZAÇÃO PROFISSIONAL. NATU REZA JURÍDICA. AUTARQUIA FEDERAL. EXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO. OBSERVÂNCIA DO ART. 37, II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. FISCALIZAÇÃO. ATIVIDADE TÍPICA DO ESTADO. PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO DA CONFIANÇA LE GÍTIMA. ANÁLISE. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO PARA RESTAURAR O DEVIDO PROCESSAMENTO DO MANDADO DE SEGURANÇA E POSSIBILITAR UM MELHOR EXAME DA MATÉRIA. 1. Os conselhos de fiscalização profissional têm natureza jurí- dica de autarquias, consoante decidido no MS 22.643, ocasião na qual res tou consignado que: (i) estas entidades são criadas por lei, tendo personalidade jurídica de direito público com autonomia administrativa e financeira; (ii) exercem a atividade de fiscalização de exercício profissional que, como decorre do disposto nos artigos 5o, XIII, 21, XXIV, é atividade tipicamente pública; (iii) têm o dever de prestar contas ao Tribunal de Contas da União (art. 71, II, CRFB/88). 2. Os conselhos de fiscalização profissional, posto autarquias criadas por lei e ostentando personalidade ju-
18
dãos, precisamente por exercer o poder. Não parece haver razão
consistente que imponha a esses conselhos natureza especial, dis
tanciada do regime jurídico de direito público, ao contrário dos
demais entes da administração, seja a direta ou a indireta.
Autarquias e fundações de direito público, relembra HELY
LOPES MEIRELLES, são longa manus do Estado; portanto, órgãos (em rídica de direito público, exercendo atividade tipicamente pública, qual seja, a fiscalização do exercício profissional, submetem-se às regras encarta das no artigo 37, inciso II, da CRFB/88, quando da contratação de servi dores. Precedente: RE 539.224, 1a Turma Rel. Min. LUIZ FUX, DJe.- 18/06/2012. 3. A fiscalização das profissões, por se tratar de uma atividade típica de Estado, que abrange o poder de polícia, de tributar e de punir, não pode ser delegada (ADI 1.717), excetuando-se a Ordem dos Advoga dos do Brasil (ADI 3.026). 4. In casu, está em discussão tese relacionada à contratação dos impetrantes, ocorrida há mais de 10 (dez) anos, e a alega- ção de desrespeito ao processo de seleção e às regras constitucionais aplicá- veis (art. 37, II, CRFB/88), fatos que tornam imperativa a análise mais apurada do mandado de segurança, sobretudo em decorrência do princípio da proteção da confiança legítima. 5. Agravo regimental provido apenas para possibilitar um melhor exame do mandado de segurança e facultar às partes a oportunidade de sustentação oral” (MS 28.469-AgR, Relator o Ministro LUIZ FUX, DJe 10.5.2013); “LEGITIMIDADE – AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALI DADE – CONSELHOS – AUTARQUIAS CORPORATIVISTAS. O rol do artigo 103 da Constituição Federal e exaustivo quanto a legitimação para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade. Os denomina dos Conselhos, compreendidos no gênero ‘autarquia’ e tidos como a con substanciar a espécie corporativista não se enquadram na previsão constitucional relativa as entidades de classe de âmbito nacional. Da Lei Básica Federal exsurge a legitimação de Conselho único, ou seja, o Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Dai a ilegitimidade ad causam do Con selho Federal de Farmácia e de todos os demais que tenham idêntica per sonalidade jurídica – de direito público” (ADI 641-MC, Relator para o acórdão o Ministro MARCO AURÉLIO, DJ 12.3.1993)”. STF. RE 608.386/RS. Rel.: Min. CÁRMEN LÚCIA. 17/3/2014, decisão monocrática.
DJe 79, 25 abr. 2014.
19
sentido lato) do Estado no mais pleno sentido.9 CELSO ANTÔNIO
BANDEIRA DE MELLO, nessa linha teórica, assinala em parecer:10
A natureza jurídica das autarquias e das chamadas fundações
públicas é de meros desdobramentos do Estado em sua fei-
ção administrativa. Elas são, pois, administração pública. Em
bora administração indireta, sendo pessoas de direito público,
por compartilharem da mesma natureza do Estado – embora
restrita à feição administrativa dele –, não haveria razões
prestantes para que os servidores destas entidades ficassem
submissos a uma disciplina distinta daquela aplicável aos ser
vidores da administração direta.
Parece correto dizer, seguindo essa premissa, que o interesse
público perseguido por autarquias e fundações de direito pú-
blico se confunde com o interesse institucional do próprio Es
tado.11
O grau de independência das autarquias em relação ao ente
criador é variável, definido na lei instituidora (e nas que a alte- 9 Segundo HELY LOPES MEIRELLES,“a autarquia, sendo um prolongamento do Poder Público, uma longa manus do Estado, deve executar serviços próprios do Estado, em condições idênticas às do Estado, com os mesmos privilé- gios da Administração-matriz e passíveis dos mesmos controles dos atos administrativos. O que diversifica a autarquia do Estado são os métodos operacionais de seus serviços, mais especializados e mais flexíveis que os da Administração centralizada.” MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administra
tivo brasileiro. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 335. 10 Disponível em: < http://zip.net/bkqRwT > ou < http://abrap.org.br/wp
content/uploads/2012/12/parecer.pdf>. Acesso em: 9 out. 2015. 11 CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, em monografia sobre a natureza jurí- dica das autarquias, acentuava com razão, muitos anos atrás, que “o escopo e a razão de ser da autarquia é o prosseguimento de fins estatais, ou seja, a realização dos interesses públicos a ela confiados, pelo que, ao geri-los, sa tisfaz, contemporaneamente, finalidade sua e do Estado, pois ambas se igua lam. Na faixa de sua capacidade há identificação entre os interesses de ambos.” MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Natureza e regime jurídico das
autarquias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1968, p. 230.
20
rem). Cabe ao legislador delinear o regime jurídico da autarquia
de acordo com o seu perfil institucional, a natureza de suas ativi
dades e o interesse público envolvido. Segundo JOSÉ DOS SANTOS
CARVALHO FILHO, “sempre foi pacífico o entendimento de que o
regime jurídico infraconstitucional das autarquias seria aquele de
finido em sua própria lei instituidora. Em outras palavras, a lei te
ria o condão de particularizar o regime jurídico para a autarquia
por ela instituída. Logicamente, essa particularização do regime
jurídico sempre pôde proporcionar diversidade em relação a al
guns aspectos do ente autárquico, o que decorreria principal
mente dos objetivos institucionais a que se destinasse”.12
Tanto é assim que as agências reguladoras, criadas com fina
lidade de regular e fiscalizar determinados serviços e atividades
econômicas, consubstanciam autarquias sob regime especial, por
quanto possuem independência administrativa ampla em relação
ao controle exercido por órgãos da administração direta. Essa
condição jurídica não é absolutamente incompatível com a da
OAB, por exemplo, a qual, sem perder certas sujeições à lei
(como o controle externo, o dever de atender a requisições do
Ministério Público e a admissão de pessoal em regime estatutá-
rio), poderia continuar exercer em plenitude as missões constitu
cionais e legais que o ordenamento jurídico lhe cometeu.
O art. 1o da Lei 9.986, de 18 de julho de 2000, determinava
adoção do regime de emprego público por agências reguladoras e 12 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 486.
21
submetia suas relações de trabalho à Consolidação das Leis do
Trabalho e à legislação trabalhista.13 A norma foi impugnada na
ADI 2.310/DF e teve eficácia suspensa por medida liminar con
cedida monocraticamente pelo Ministro MARCO AURÉLIO, que
destacou o interesse público envolvido nas atividades exercidas
pelas agências reguladoras e a relevância do regime estatutário
para desempenho do poder de polícia livre de influências políti
cas ilegítimas (sic):
Os servidores das agências reguladoras hão de estar, necessa
riamente, submetidos ao regime de cargo público, ou po
dem, como previsto na lei em exame, ser contratados para
empregos públicos? Ninguém coloca em dúvida o objetivo
maior das agências reguladoras, no que [está] ligado à prote-
ção do consumidor, sob os mais diversos aspectos negativos –
ineficiência, domínio do mercado, concentração econômica,
concorrência desleal e aumento arbitrário dos lucros. Hão de
estar as decisões desses órgãos imunes a aspectos políticos,
devendo fazer-se presente, sempre, o contorno técnico. É
isso o exigível não só dos respectivos dirigentes – detentores
de mandato –, mas também dos servidores – reguladores,
analistas de suporte à regulação, procuradores, técnicos em
regulação e técnicos em suporte à regulação – Anexo I da
Lei no 9.986/2000 – que, juntamente com os primeiros, hão
de corporificar o próprio Estado nesse mister da mais alta
importância, para a efetiva regulação dos serviços. Prescin
dir, no caso, da ocupação de cargos públicos, com os
direitos e garantias a eles inerentes, é adotar flexibili
dade incompatível com a natureza dos serviços a se
rem prestados, igualizando os servidores das agências a
prestadores de serviços subalternos, dos quais não se exige,
até mesmo, escolaridade maior, como são serventes, artífices,
mecanógrafos, entre outros. Atente-se para a espécie. Está-se 13 “Art. 1o As Agências Reguladoras terão suas relações de trabalho regidas pela Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, e legislação trabalhista correlata, em regime de emprego público”.
22
diante de atividade na qual o poder de fiscalização, o
poder de polícia fazem-se com envergadura ímpar,
exigindo, por isso mesmo, que aquele que a desem
penhe sinta-se seguro, atue sem receios outros, e isso
pressupõe a ocupação de cargo público, a estabilida
de prevista no artigo 41 da Constituição Federal. Ali-
ás, o artigo 247 da Lei Maior sinaliza a conclusão sobre a ne
cessária adoção do regime de cargo público relativamente
aos servidores das agências reguladoras. Refere-se o preceito
àqueles que desenvolvam atividades exclusivas de Estado, e a
de fiscalização o é. Em suma, não se coaduna com os objeti
vos precípuos das agências reguladoras, verdadeiras autarqui
as, embora de caráter especial, a flexibilidade inerente aos
empregos públicos, impondo-se a adoção da regra que é a
revelada pelo regime de cargo público, tal como ocorre em
relação a outras atividades fiscalizadoras – fiscais do trabalho,
de renda, servidores do Banco Central, dos Tribunais de
Conta, etc.14
Julgou-se prejudicada a ADI 2.310/DF, ante o advento da
Lei 10.871, de 20 de maio de 2004. Esta revogou, entre outros, o
art. 1o da Lei 9.986/2000 e ordenou adoção de regime jurídico
estatutário para contratação de pessoal por agências reguladoras.
As razões expostas naquela decisão aplicam-se aos conselhos
de fiscalização profissional. Consoante se assinalou, esses entes
exercem poder de polícia, fiscalizam o exercício de profissão e
impõem penalidades a profissionais inscritos que pratiquem infra-
ção. Em virtude da natureza estatal dessas atividades, adoção do
regime estatutário é medida que se impõe para assegurar o de
sempenho impessoal por servidores dessas autarquias e manter
coerência com a organização da administração pública no Direito
brasileiro. 14 STF. ADI 2.310/DF. Rel.: Min. MARCO AURÉLIO. 19/12/2000, decisão mo nocrática. DJ, 1o fev. 2001. Sem grifo no original.
23
Não tem amparo constitucional a proposta do Congresso
Nacional, da Presidência da República e da Advocacia-Geral da
União de que esses entes seriam autarquias corporativas que não
integrariam a administração pública indireta. A Constituição não
contempla autarquias que orbitem fora da administração pública.
Leis ordinárias não têm autorização para criar esse gênero esdrú-
xulo, e não o fizeram. Se o houvessem feito no regime pré-1988,
não teriam sido recepcionadas pela vigente ordem constitucional.
Em outras palavras, atribuição de natureza jurídica de autar
quias corporativas “peculiares” a conselhos de fiscalização do
exercício de profissões não é suficiente para afastar aplicação do
regime jurídico estatutário – e constitucional. Esses entes, con
quanto sujeitos a regimes diversos, são criados por lei, com perso
nalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para exercício de
funções típicas de Estado, e amoldam-se perfeitamente ao con
ceito de autarquia contido há décadas no Decreto-lei 200/1967.
Ao contrário do que pretendem as informações e a manifes
tação da AGU, as leis objeto deste processo não instituíram a mo
dalidade peculiar dos entes administrativos não administrativos.
Pelas razões expostas neste parecer e na petição inicial, há
incompatibilidade dos dispositivos impugnados com o art. 39 da
Constituição da República, motivo por que deve ser declarada
sua não recepção pela Constituição da República de 1988.
24
III CONCLUSÃO
Ante o exposto, a Procuradoria-Geral da República reitera as
razões deduzidas na petição inicial e manifesta-se pelo conheci
mento e pela procedência do pedido.
Brasília (DF), 6 de novembro de 2015.
Ela Wiecko Volkmer de Castilho
Procuradora-Geral da República em exercício

terça-feira, 17 de março de 2015

Intervenção militar constitucional (84)

Intervenção militar constitucional

Aberração hermeneutica


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Nunca o povo brasileiro esteve mais próximo da política do que nos dias atuais.
Esse fenômeno de “”politização”” dos cidadãos, embora possa parecer em primeiro momento como uma conquista social, aumento da escolaridade, ou que parte da população está se intelectualizando, por meio de atos e manifestações, basta observarmos suas reivindicações para que nossos olhos se revirem até o outro lado da cabeça – e percebermos que é apenas uma ilusão, o que é uma pena, uma vez em a escolarização do povo é um pré-requisito para um regime verdadeiramente democrático (o que não somos).
Percebemos que tal fenômeno nem de longe se refere a um possível esclarecimento da população, pois tudo aquilo que ele reivindica é incompatível com o próprio regime democrático, ou que é simplesmente inviável e dogmaticamente absurdo, o que prova que o que vemos nas ruas e nas redes sociais é apenas um bando de pessoas espalhando suas opiniões, essas que não são acompanhadas de conhecimento ou esclarecimento.
E uma dessas reivindicações absurdas surgiu recentemente em grupos destinados a organizar atos e manifestações por São Paulo, com o objetivo de destituir o atual governo e para instituir (ou restituir) o regime militar, através de um ato chamado de “intervenção militar constitucional”- com uma certeza de que um ato como este está amparado pela Carta Magna.
Não é necessário um grande esforço hermenêutico para chegar à conclusão de que isso simplesmente não existe, de que o próprio termo entra em contradição consigo próprio, como a interpretação literal do artigo 142 da Constituição demonstra:
As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. (art. 142, CF)
a) As forças armadas são formadas por Marinha, Exercito e Aeronáutica;
b) São permanentes e regulares;
c) Organizadas com base na hierarquia e disciplina;
d) Sob e autoridade suprema do Presidente da República;
e) Destinam-se à defesa da pátria, à garantia dos poderes constitucionais, e da lei e da ordem.
Essas duas ultimas características são as que mais importam neste exercício de interpretação: A primeira cita, desde logo, que a autoridade suprema (logo, a qual todos seus membros devem se submeter, de forma a dever-lhe toda a AUTONOMIA) pertence ao chefe do poder executivo, e a segunda, mais objetiva ainda (pois cita os objetivos das forças armadas) determina que a eles compete a defesa da pátria (estado de guerra), a garantia dos poderes constitucionais (relacionado à soberania e consolidação dos poderes federativos) e o estabelecimento da lei e da ordem (que nunca pode ser feito ex officio).
Nota-se a total contradição do conceito difundido da “intervenção militar constitucional” com o item e da interpretação acima, uma vez que o texto constitucional cita a “garantia dos Poderes Constitucionais”, ou seja, o objetivo de manter o status, manter a estrutura política e a forma de governo tal qual ela é – uma república federativa.
Por fim, ao que parece os defensores da intervenção militar passaram pelo caput artigo  da Constituição sem tê-lo lido, onde tal norma pétrea determina a própria forma de governo e estrutura política:
A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (art. 1º, CF)
Portanto, a resposta que a lógica formal e a hermenêutica pela interpretação literal daCarta Magna nos conferem é óbvia:
Não existe fundamento constitucional para intervenção militar, pois a forma de governo é norma pétrea, e às forças armadas não competem quaisquer funções politicas.